quinta-feira, 17 de novembro de 2011

As aventuras dos corretores que procuram áreas para a construção de novos prédios em São Paulo

IMÓVEIS

Os caçadores de terrenos na capital

As aventuras dos corretores que procuram áreas para a construção de novos prédios em São Paulo

Mariana Barros | 16.11.2011
Capa 2243 - Imóveis
Desafio na cidade: não é nada fácil a tarefa daqueles que buscam espaços para a construção de novos edifícios
Ilustração Lucas Pádua com foto de Mario Rodrigues
Com a explosão do setor imobiliário na cidade, a quantidade de novos apartamentos e residências surgidos por aqui aumentou 60% entre 2005 e 2007. Desde então, o negócio vem se mantendo sempre acima da marca de 30.000 lançamentos por ano. Em 2011, mesmo com o desaquecimento da economia, devem ser inauguradas por volta de 38.000 unidades, o que dá ao mercado um ritmo impressionante de quatro novos imóveis a cada hora. Mais espantoso que isso é como são encontradas áreas para erguer tantas obras numa metrópole já abarrotada de construções. Boa parte do milagre ocorre devido ao trabalho de um grupo de especialistas que ganha a vida caçando terrenos. Atuam na capital cerca de 200 perdigueiros, como a turma ficou conhecida no meio.
O apelido faz todo o sentido. Os profissionais de faro apurado e disposição quase inabalável vivem em busca de oportunidades em áreas desocupadas e, não raro, demonstram o dom de criar espaços. Enquanto a maioria das pessoas passa por um quarteirão e só vê um punhado de sobrados antigos, por exemplo, eles enxergam a chance de ouro para botar tudo aquilo abaixo e dar lugar a um moderno condomínio. “Sem esse trabalho quase anônimo, muitos projetos não sairiam do papel”, afirma Roberto Coelho da Fonseca, diretor-geral de vendas da imobiliária Coelho da Fonseca. Há seis meses, a empresa criou um departamento exclusivo para abrigar nove especialistas em garimpar áreas para futuros empreendimentos.
Mario Rodrigues
Alexandre, André e Ariel Frankel (da esquerda para a direita), que comandam a Vitacon, empresa especializada no ramo. Em um voo para Nova York, André e Ariel ofereceram chocolate e puxaram conversa com um empresário sentado ao lado deles. Instantes depois, negociavam uma área pertencente a ele entre as avenidas Paulista e Faria Lima. “Era um bilhete de loteria premiado bem na nossa frente”, diz Ariel
Alexandre, André e Ariel Frankel (da esquerda para a direita), que comandam a Vitacon, empresa especializada no ramo. Em um voo para Nova York, André e Ariel ofereceram chocolate e puxaram conversa com um empresário sentado ao lado deles. Instantes depois, negociavam uma área pertencente a ele entre as avenidas Paulista e Faria Lima. “Era um bilhete de loteria premiado bem na nossa frente”, diz Ariel
Um perdigueiro típico atua praticamente em tempo integral e não desliga a antena nem nos momentos de folga. A maioria trabalha por conta própria, no esquema freelancer. O restante faz parte do quadro de imobiliárias e empreiteiras. “Prefiro ser chamado de chato a perder uma oportunidade”, diz o empresário Alexandre Lafer Frankel, sócio da incorporadora Vitacon, no Jardim Paulistano, e caçador de muitas das áreas que transforma em empreendimentos. Certa vez, ele saiu no meio de um almoço de Dia das Mães para ver um terreno que um dos presentes comentou ter vontade de vender. Dias depois, o martelo acabou batido por cerca de 7 milhões de reais para a venda do imóvel em questão, uma área de 1.200 metros quadrados no Morumbi. “Precisamos estar sempre alertas”, explica ele, que divide o escritório com seus irmãos André e Ariel Frankel.
Numa viagem de avião recente para Nova York, André e Ariel sentaram-se ao lado de um empresário e puxaram conversa oferecendo uma barra de chocolate. No meio do papo, o desconhecido contou que desejava negociar um terreno entre as avenidas Paulista e Faria Lima. “Nossos olhos brilharam”, conta Ariel. Logo eles fecharam o acordo e passaram a área para a frente.
Mario Rodrigues
O corretor Miro Lisoni precisou fechar um acordo com 25 proprietários para comprar suas casas no bairro de Pinheiros e transformar o terreno num prédio comercial. Pelo trabalho, levou de comissão uma bolada: cerca de 450.000 reais
O corretor Miro Lisoni precisou fechar um acordo com 25 proprietários para comprar suas casas no bairro de Pinheiros e transformar o terreno num prédio comercial. Levou de comissão uma bolada: cerca de 450.000 reais
Esse ofício exige visão de gavião e paciência de monge tibetano. Os maiores contratos raramente são concluídos antes de seis meses. Alguns deles podem se arrastar por mais de dois anos, dependendo da complexidade do caso e dos valores envolvidos. Em 2001, um grande rolo apareceu na frente do corretor Miro Lisoni. O episódio envolvia a venda simultânea de 25 casas numa área do bairro de Pinheiros para uma empresa que queria o terreno dos imóveis para construir um prédio comercial. Após muita negociação, finalmente chegaram a um consenso e marcaram a data para a assinatura do contrato com todo o grupo. “Na última hora, uma pessoa rompeu o acordo e pediu mais que o combinado”, lembra Lisoni, que começou a ter pesadelos vendo escorrer pelas mãos uma comissão de cerca de 450.000 reais. Dois dias depois, com os ânimos devidamente acalmados, a turma se reuniu novamente e o compromisso foi selado.
Sufoco parecido ocorreu com Piero Sevilla, sócio da Adoke, companhia especializada nesse mercado. Em setembro, ele precisou conversar com 108 pessoas para arrematar doze casas no bairro de Santana. No grupo, nada menos que 26 nomes eram da mesma família. “Havia irmãos brigados que não quiseram ficar na mesma sala nem para assinar os papéis”, recorda.
Os alvos mais cobiçados são locais com mais de 2.000 metros quadrados, tamanho mínimo exigido pelas construtoras para erguer um prédio. O custo de uma área dessas, dependendo da localização, pode ficar em torno de 10 milhões de reais, e o vendedor recebe uma comissão de 3% a 5%, ou seja, entra no seu bolso algo entre 300.000 e 500.000 reais. A bolada faz valer a pena todo o esforço gasto na longa operação de convencimento dos proprietários. “Atuar nesse ramo está cada vez mais complexo, pois tudo o que era fácil já foi comercializado”, lamenta o corretor Christian Jacques Magalhães.
Em 2004, ele largou uma carreira no mercado financeiro e virou caçador. Um dos episódios mais frustrantes do novo trabalho ocorreu quando estava fechando o negócio de um terreno no centro. “Na fase final das tratativas, descobrimos indícios de um lençol freático no lugar”, conta. Foram necessários sete meses até um laudo constatar que o depósito estava seco e não comprometia o espaço, tempo suficiente para os investidores desistirem da compra. “Minha rotina ficou ainda mais estressante”, diz Magalhães.
Fernando Moraes
Renato Siqueira trabalhava no escritório Ricardo Julião quando viabilizou um negócio num dos terrenos mais cobiçados da cidade, em plena Avenida Paulista. A área, pertencente a uma ordem de freiras, só poderia ser vendida com a autorização dos religiosos. A saída foi alugá-la: um shopping popular em construção por ali deve ser aberto em 2012
Renato Siqueira trabalhava no escritório Ricardo Julião quando viabilizou um negócio num dos terrenos mais cobiçados da cidade, em plena Avenida Paulista. A área, pertencente a uma ordem de freiras, só poderia ser vendida com a autorização dos religiosos. A saída foi alugá-la: um shopping popular em construção por ali deve ser aberto em 2012
Apesar das dificuldades, nada parece impossível para esses Sherlocks paulistanos. Exemplo disso foi a saga enfrentada pelo especialista Renato Siqueira, que atuava no escritório de arquitetura Ricardo Julião quando recebeu, em setembro do ano passado, a incumbência de resolver um problema difícil: um cliente queria erguer um shopping popular na Avenida Paulista, numa propriedade entre a Alameda Ministro Rocha Azevedo e a Rua Padre João Manuel. Seria perfeito, não fosse o fato de o terreno em questão pertencer a uma ordem de freiras.
No local, havia apenas uma residência, que servira de escritório até poucos meses antes. Apesar do estado de abandono, nada poderia ser feito ali sem o aval de curadores de fundações religiosas, num processo que corria o risco de se estender por anos. “Para agilizar o acerto, combinamos alugar a área por uma década”, relata Siqueira. Resolvido o imbróglio, as obras do novo centro de compras começaram quase imediatamente e a previsão é que ele seja inaugurado em 2012. Em outra ocasião, o perdigueiro freelancer Sílvio Galvão Pereira viajou diversas vezes a Itanhaém, no Litoral Sul, para ajudar uma proprietária a conseguir o divórcio e assim dar continuidade à venda de sua casa na capital. “Felizmente, deu certo”, diz ele. “O problema é gastar saliva e sola de sapato e ficar sem um tostão.”
Fernando Moraes
Walter Torre Junior, da WTorre, arrematou por 400 milhões de reais em 2006 um dos maiores micos da capital, o esqueleto abandonado do prédio da Eletropaulo na Marginal Pinheiros. Depois de finalizar o edifício, passou o negócio adiante por 1 bilhão de reais
Walter Torre Junior, da WTorre, arrematou por 400 milhões de reais em 2006 um dos maiores micos da capital, o esqueleto abandonado do prédio da Eletropaulo na Marginal Pinheiros. Depois de finalizar o edifício, passou o negócio adiante por 1 bilhão de reais
Enquanto vivem procurando tesouros escondidos por aí, os especialistas sonham com as pérolas mais cobiçadas da cidade — no caso, espaços enormes e com ótima localização, cujos proprietários resistem há anos a uma saraivada de ofertas. Fazem parte da lista propriedades como a área de 24.000 metros quadrados na esquina das ruas Augusta e Caio Prado, no centro. Entre 1907 e 1967, funcionou ali o Colégio Des Oiseaux, tradicional escola de ensino exclusiva para mulheres. Segundo estimativas do mercado, os dois lotes que compõem a propriedade valem hoje 84 milhões de reais.
A exemplo das ações da bolsa de valores, as cotações são voláteis e podem mudar de uma hora para outra. Desprezadas durante um longo período, as áreas vizinhas à Marginal Pinheiros tiveram seu valor elevado nos últimos anos. O engenheiro Walter Torre Junior, proprietário da construtora WTorre, comprou em 2006 aquele que era considerado um dos maiores micos da cidade, o terreno onde estava o esqueleto da Eletropaulo, quase na esquina da via expressa com a Avenida Presidente Juscelino Kubitschek. Gastou, na ocasião, 400 milhões de reais. Completada a construção, vendeu-a dois anos depois ao Santander por 1 bilhão de reais. O banco fez dela a sua nova sede. “Namorei o endereço por anos, pois sabia que ali havia uma oportunidade”, revela o empresário, que ergueu ao lado outra torre de escritórios e o futuro shopping JK Iguatemi. “Ninguém acreditava na minha aposta.”
Fernando Moraes
A cada mês, a equipe de Elizabeth Pascotto, da Coelho da Fonseca, fecha a venda de um grande lote na cidade. O mais recente deles fica próximo ao cruzamento das avenidas Jornalista Roberto Marinho e Washington Luís: “O dono ia vendê-lo às 16 horas para outra imobiliária. Às 12 horas do mesmo dia eu estava tentando convencê-lo a fazer negócio conosco. Deu certo”, comemora
A cada mês, a equipe de Elizabeth Pascotto, da Coelho da Fonseca, fecha a venda de um grande lote na cidade. O mais recente fica próximo ao cruzamento das avenidas Jornalista Roberto Marinho e Washington Luís. “O dono ia vendê-lo às 16 horas para outra imobiliária. Às 12 horas do mesmo dia eu estava tentando convencê-lo a fazer negócio conosco. Deu certo”
Na rotina dos caçadores, a descoberta de uma pepita no mar imobiliário da cidade, muitas vezes, é o primeiro capítulo de uma novela. Grande parte da energia dos profissionais acaba sendo direcionada para os passos seguintes do processo, que envolvem o convencimento do proprietário sobre a conveniência da venda. O executivo Otávio Zarvos, da incorporadora Idea!Zarvos, perdeu a conta dos cafés que tomou com a dona de uma casa que ficava bem no meio de um terreno onde pretendia construir, na Vila Madalena. “Ela pedia um valor altíssimo, pois achava que não tínhamos alternativa”, afirma Zarvos. Quando viu que o empreendimento sairia de qualquer maneira, a proprietária resolveu aceitar a oferta inicial. Tarde demais. A casa continua no mesmo lugar e atualmente está cercada por todos os lados pelo edifício da Zarvos. “Espero até três meses para a pessoa se decidir. Passado esse período, começamos a desenvolver o projeto”, diz o empresário.
Fernando Moraes
A dona de casa Francisca da Conceição negociou a residência no Brooklin onde mora com o marido, que é motorista. “Com parte do dinheiro, compramos um caminhão para ele. Agora, vamos procurar um espaço melhor para a família”
A dona de casa Francisca da Conceição negociou a residência no Brooklin onde mora com o marido, que é motorista. “Com parte do dinheiro, compramos um caminhão para ele. Agora, vamos procurar um espaço melhor para a família”
À frente do departamento da Coelho da Fonseca criado para buscar terrenos, a corretora Elizabeth Pascotto já encaminhou 25 áreas a construtoras e aprendeu a lidar com ânimos acirrados. “O primeiro passo é mostrar respeito pelo lugar onde a pessoa mora e, em seguida, aguçar seu desejo de mudar”, conta. Foi assim que convenceu a dona de casa Francisca da Conceição a vender recentemente sua residência no Brooklin. Arredia no primeiro contato, ela foi cedendo até chegar a um entendimento. O dinheiro da venda serviu para comprar um caminhão para o marido, que trabalha como motorista, e procurar um imóvel melhor para a família. Na Vila Mariana, uma negociação da Lindencorp quase emperrou por causa de um inquilino, o Abrigo Vovó Ilza, responsável por mães adolescentes. Sem poder ir para outro bairro, o que prejudicaria o trabalho da entidade, a ONG recorreu à incorporadora para achar uma nova sede. Deu certo: está de malas prontas e se mudará neste mês para alguns quarteirões adiante.
Fernando Moraes
Maria de Fátima Alarcon, coordenadora de ONG na Vila Mariana: ela recorreu à incorporadora para que a entidade pudesse continuar atuando no mesmo bairro depois da venda do terreno
Maria de Fátima Alarcon, coordenadora de ONG na Vila Mariana: ela recorreu à incorporadora para que a entidade pudesse continuar atuando no mesmo bairro depois da venda do terreno

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